Nesta segunda-feira os médicos mineiros começaram a cobrar consulta das pessoas que têm plano de saúde. Segundo o sindicato dos médicos a medida é uma forma de pressionar os planos a reajustarem os preços. A intenção é que os planos reembolsem aos consumidores em vez de passar aos profissionais o valor referente as consultas. A rádio CBN conversou sobre o assunto com o Deputado Federal Mário Heringer que fez parte da CPI que investigou os planos de saúde.
Deputado, bom dia!
Bom dia, é um prazer falar com a CBN.
O Senhor acredita que essa medida surta algum efeito tanto para médicos quanto para consumidores?
Olha, a gente tem que entender que essa medida não nasce da ambição por maior pagamento por consulta, ela nasce da necessidade do médico, do prestador de serviço mostrar à sociedade que há mais de dez anos os planos de saúde vêm sufocando e predando esse sistema suplementar. Nós não queríamos entender isso como um processo regular de negociação, eu não vejo nesse momento nenhuma vantagem para nenhum dos atores desse sistema, nem para o paciente, nem para o médico, nem para o plano de saúde. Essa situação é uma situação extrema e que não deveria acontecer, mas eu compreendo a existência dela, uma vez que os planos de saúde têm obtido aumento desde 1994 maior que 170%, e os prestadores, médicos, dentistas, hospitais, todos os que trabalham na área de saúde com planos de saúde, não obtiveram nesse período nenhum reajuste. Isso é no mínimo uma covardia que se faz, cobrando mais caro do usuário e não repassando a qualidade dos serviços aos prestadores.
E porque que não se consegue que os planos reajustem essas tabelas? Porque que não se pode através de Lei, por exemplo, obrigá-los a fazer essa correção?
Nós temos um projeto de lei que determina os reajustes obtidos pelos planos de saúde sejam automaticamente repassados aos prestadores. Infelizmente, o lobby, a pressão dos planos de saúde, impede que as coisas no Brasil funcionem no âmbito da saúde suplementar de uma maneira normal, tranqüila. O que se busca é a igualdade. Nós queremos que se dê aos médicos, aos hospitais, aos dentistas, uma contraprestação pelo serviço, mas uma contraprestação decente, e infelizmente, a pressão que se faz e a falta de vontade dos que até hoje comandaram a Agência Nacional de Saúde é flagrante, eles não querem de maneira alguma normalizar o funcionamento desse sistema. É simples, é tranqüilo, porque não afetará ninguém, ninguém terá prejuízo do ponto de vista comercial normal, exceto pelo aproveitamento que já usam, e isso aí eles não querem, perder o que já estão levando de vantagem. Me parece muito aquela frase que foi usada há muitos anos numa propaganda comercial que dizia “levar vantagem em tudo” , é assim que os intermediários da saúde suplementar, que são os planos de saúde estão agindo.
É o mesmo lobby tão forte quanto o lobby dos laboratórios farmacêuticos?
Sim, sem dúvida o grande problema nosso é que o poder financeiro está sobrepujando o poder executivo, o poder legislativo, o poder judiciário, esse quarto poder que sempre foi atribuído à mídia, eu posso dizer que hoje é o poder financeiro e a mídia tem a opção de escolher o lado que vai ficar nesse momento, da greve dos médicos, não é o momento de retalhar médicos, dizer que o Procon tem que agir, que o usuário… Claro que o usuário tem direito, mas tem que reconhecer a questão da justiça, esses profissionais estão há mais de dez anos sem a decência no relacionamento comercial, isso precisa ser feito. Laboratórios, planos de saúde, que tem o poder financeiro, estão exercendo o poder no nosso país.
Não é justo que nessa briga do rochedo com o mar, acabe sobrando para o marisco, não é Deputado?
O que ocorre sempre é que o marisco está no meio da pancada. Tudo bem que seja sacudido pra lá e pra cá, porque é normal num relacionamento comercial, mas regras básicas precisam existir, por exemplo o pagamento do serviço prestado não tem data para ser feito, o valor que se manda para cobrança, não é o valor aceito. Se o prestador não aceita trabalhar numa determinada condição, não aceita deixar de fazer um determinado exame, é descredenciado, perde o emprego teoricamente, é mandado embora daquela lista. Pessoas competentes por exemplo, médicos mais antigos, que no passado foram professores universitários, membros do INPS, que são pessoas ativas, não podem hoje entrar no sistema, porque o sistema fechou suas portas, essas pessoas estão no mercado, são competentes e não entram, então não tem um credenciamento seletivo, um credenciamento baseado na qualidade. Um pagamento feito a esses médicos, não pode ser feito em boleto bancário, você recebe o seu boleto bancário em casa para pagar o plano de saúde, mas o médico não pode, pois ele fica refém do dia, da hora, e quanto o plano de saúde quer pagar. Então quer dizer, não há justiça no relacionamento. Eu acho que é isso que os médicos estão querendo agora. Pelo simples fato de pedir o aumento no valor, que é o que está sufocando no momento, eu acho que isso precisa ser feito sim, mas precisa de regularizar esse relacionamento comercial.
Essa decisão dos médicos mineiros só demonstra a insatisfação que aliás já é conhecida com os planos de saúde, uma insatisfação que também é demonstrada pelos consumidores. A CPI dos Planos de Saúde levantou muitos casos de irregularidades que foram cometidos pelas operadoras dos planos, no entanto, parece que elas continuam agindo soberanamente. Qual foi o resultado prático da CPI, Deputado?
Olha, eu vou te dizer que resultado prático não houve algum, porque nós fizemos um relatório, enviamos ao Ministério da Saúde, enviamos ao Ministério Público, à Agência Reguladora, mas daí ao passo definitivo de criar as normas que foram sugeridas por nós na CPI, ficou um vácuo enorme, porque as nomeações dentro da Agência Nacional de Saúde continuam sendo políticas e atendem a um poder superior, que é o poder financeiro, eu não tenho dúvida disso. Pessoas que foram diretores da Agência Nacional de Saúde no mandato passado, voltaram como assessores da Diretoria atual, quer dizer, não mudou nada. Mudou o nome, mas o conceito continua, é uma inoperância total a Agência Nacional de Saúde do ponto de vista de regular o mercado na relação entre prestadores e tomadores, no caso planos de saúde. Então não tem chance de resolver isto, porque não basta só a CPI denunciar, apurar, propor soluções, e no final estas soluções irem para uma gaveta. O ministério da Saúde está com um problema em vários Estados do Brasil com relação a esse movimento de cobrar consulta, não é só em Minas, eu posso lembrar neste momento, a Bahia também está, o Rio de Janeiro esteve há pouco tempo. Está com esse problema porque não quer operar da maneira que tem que ser o serviço, ele não quer normatizar. Tem uma história de uma contratualização que é a grande desculpa que eles dão. “Olha, estamos agora fazendo a contratualização”. Essa contratualização não é nada mais nada menos que um mecanismo para fingir que está trabalhando e nesse momento determinar na hora que o hospital, ou médico, ou odontólogo vai fazer uma renovação desse contrato, se ele não aceitar as regras que o convênio impõe naquele momento, propicia com mais facilidade ainda o descredenciamento, isso é na verdade uma proposta para desemprego.
Em uma entrevista que o Senhor fazia aqui na CBN de Belo Horizonte no final do ano passado, o Senhor já dizia que os médicos eram reféns das operadoras de planos de saúde tanto quanto os consumidores. Essa decisão dos médicos mineiros, é bom que se diga, o vilão dessa história são os planos de saúde, mas essa decisão pode transformar aos olhos do consumidor, o médico em vilão?
Olha, eu acho que pode sim, foi por isso que eu disse que cabe ao poder, à mídia mostrar isso com realidade, mostrar isso com verdade. Porque nesse momento o que vai se dizer nos Procon’s o que vai se dizer em órgãos de defesa do consumidor é que o consumidor tem direito e ninguém nega esse direito mas esses órgãos precisam de olhar esse relacionamento com justiça, senão o médico vai continuar debilitado, como um vilão, como você disse, um marisco, no meio da guerra entre o rochedo e o mar e nós vamos continuar com um sistema perneta que está realmente dificultando a vida de diversos profissionais. Eu acho que nesse momento, para que o sistema possa continuar forte, continuar persistindo e prestando um serviço de qualidade para nossa sociedade é importante que os tomadores, que os planos de saúde, reconheçam que durante esses últimos dez anos, não repassaram nenhum reajuste obtido para os médicos. Reconheçam isso, façam algum acordo, para poder melhorar essa condição financeira, e não parem por aí, que estabeleçam um relacionamento comercial decente, para que não sejam vistos no mercado como predadores, pessoas que estão num negócio só para tirar o máximo, detonar o sistema, e depois inventar uma outra forma de ganhar dinheiro que é o que vem acontecendo hoje, infelizmente, na relação do plano com o prestador médico, no caso.
Talvez hoje no Brasil, o único negócio melhor do que ser dono de plano de saúde ou de um laboratório multinacional, seja ser dono de um banco?
Olha, esses três negócios são ótimos, eu não conheço o gerenciamento bem, mas ter também uma mina para extrair petróleo deve ser muito bom. Realmente é o domínio do poder financeiro. Quem pode mais é quem tem mais dinheiro no bolso para pressionar, não estou nem dizendo de uma forma ilícita não, mas criar situações que outro lado fique imobilizado.
Deputado Mário Heringer, muito obrigado pela entrevista, prazer tê-lo conosco Deputado, um bom dia para o Senhor.