O SR. MÁRIO HERINGER (PDT-MG) Pronuncia o seguinte discurso:

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a cada Legislatura, a cada ano, diria mesmo a cada mês, a reforma política entra na pauta das discussões desta Casa. A democracia brasileira se estabelece e se apóia na harmonia e no funcionamento dos 3 Poderes da República.
Nós, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores disputamos, corpo a corpo, junto ao eleitor, cada voto, em cada rua, em cada cidade, em cada Estado desta Federação, dentro do atual sistema, com o objetivo de, sendo escolhido, representá-lo.
Ao longo dos mandatos, tenho defendido a reforma política como instrumento de consolidação do processo democrático, mas defendo que essa reforma seja filtrada pela lente da responsabilidade e da verdade e não se esvaia no ralo do oportunismo, do jogo de cena, da hipocrisia e da mentira.
Para início de conversa, teríamos, mesmo que só didaticamente, de dividir essa reforma política em 3 partes: a reforma política propriamente dita; a reforma partidária; e a reforma eleitoral.
O sistema eleitoral brasileiro não permite candidaturas independentes. O cidadão não tem a possibilidade de, em épocas de eleição, apresentar-se individualmente como candidato. Assim sendo, a fidelidade partidária deveria, para início de conversa, ser encarada como subserviente, em função da Lei Eleitoral, a uma estrutura partidária.
Existe falácia, talvez até mesmo um sofisma sobre isso. Fala-se muito que a legenda partidária entra com os votos que faltam para que o coeficiente partidário seja atingido. É verdade, mas digo que é falaciosa a idéia, pois são os votos dados individualmente ao Deputado. Prova disso é o fato de que nenhum partido disputa uma eleição sem que a nominata esteja com o seu número máximo de candidatos preenchidos.
Quantos partidos não lamentam, inclusive, a obrigatoriedade de incluir mulheres na legenda? Num país machista como o nosso, onde os homens detêm o poder político, as mulheres são um peso de 30% na capacidade de arregimentação de votos para a legenda.
Como está sendo discutida, a fidelidade partidária é apenas jogo de cena, espetáculo para a mídia, mas que engabela e enrola o seu processo de aprovação.
Essa falácia, como disse, deve ser desmascarada, para que possamos mesmo defender a verdadeira reforma política. A conta da sua não-aprovação recai sobre nós, mas é preciso ter compromissos com a verdade e dizer que, como está, a fidelidade partidária é a defesa dos privilégios partidários de grupos que se perpetuam no poder por tempo muito superior ao de um mandato de Deputado, por uma hedionda forma de assunção ao cargo. Se fizermos uma consulta aos filiados desses partidos, não saberão dizer, possivelmente, porque estão ali. Só se lembram deles quando o mais graduado do partido coloca um ônibus a sua disposição para que votem na Convenção, na qual vão ganhar pão com salame e refrigerante.
As Convenções partidárias são triste exemplo de voto de cabresto e mantêm privilégios antigos. Pois é nesta estrutura arcaica, coronelista, de fazer o comando partidário que reside um dos maiores problemas da fidelidade, conforme se está discutindo. As cúpulas partidárias não precisam de votos. Basta a elas a estrutura partidária a seu dispor, paga pelo Fundo Partidário, dinheiro público.
Disputamos o voto. A nós o eleitor confia o seu voto, e fazemos os votos totais do partido. O povo do Brasil vota no candidato. Reconheço que há voto exclusivo de legenda, mas é mais freqüente e mais comum os partidos procurarem os “puxadores de legenda” do que a legenda puxar voto para alguém.
Precisamos ser fiéis ao que dissemos na campanha e não nos submetermos a uma obediência cega. Vimos Deputados e Senadores serem expulsos recentemente de seu partido por não concordarem mais com as suas posições.
A fidelidade partidária, discutida como pré-requisito da qualidade de um Deputado Federal, significa tão-somente fazer do Deputado um instrumento de poder de um grupo de dirigentes partidários que pode muito bem, a seu tempo e prazer, mudar de opinião e apoiar coisas que jamais apoiaria. E, o que é pior, usar esse mecanismo para submeter, sob chantagem, as vontades discordantes. Pagaremos essa conta e ficaremos, por força de lei, num partido que traiu a própria causa?
Sras. e Srs. Deputados, precisamos desmontar algumas falácias sobre a reforma política, urgentemente. Não se pode admitir que, num país como o nosso, no qual é amplamente conhecido que a grande massa do povo vota no candidato, os partidos que hoje disputam a tapas os “puxadores de legenda” passem, no dia seguinte ao da eleição, a ser donos do trabalho por eles realizado, que, mais do que qualquer partido, levam esses mesmos partidos a obter reconhecimento popular e eleitoral em seu Estado.
Para completar, colocaria também em questão o fato de que as pessoas não podem ser candidatas de si mesmas e que estão obrigadas, por lei, a ingressar num partido a fim de disputar uma eleição. Isso já é deturpação da democracia. Não foi por motivo diverso que a ditadura que se abateu sobre o Brasil, na década de 60, lançou o embrião amargo das amarras dos Deputados às decisões da cúpula de um partido, ao vincular os votos nas eleições de 1982, o que, felizmente, foi logo derrubado pela vontade popular.
Devemos nos submeter a qualquer questão que envolva a ética e a moral na instância partidária, mas não devemos aceitar que submetam-nos, a mim e a V.Exas., a vontade de dirigentes de partido que muitas vezes não têm legitimidade popular para tal.
Pode-se discutir a reforma, mas, para ser completa e justa, é preciso separar os seus 3 segmentos: partidário, político e eleitoral.
Muito obrigado.

Leave a comment