Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
O Governo pagou 10 milhões de dólares pela viagem de um astronauta ao espaço. Entretanto, parece que chegou a hora de investir em pesquisa em ciência e tecnologia, de procurar melhorar a educação, os equipamentos e laboratórios das universidades, que andam abandonadas, entregues à própria sorte.
O biólogo Fernando Reinach escreveu um interessantíssimo artigo para o Estadão de 5 de abril, intitulado “150 doutores foram para o espaço”. Nesse texto, ele questiona se o melhor uso que o Brasil pode fazer com 10 milhões de dólares é enviando um astronauta para o espaço.
É que o desenvolvimento de setores de alta tecnologia depende primordialmente da existência de pessoas qualificadas e de um programa de financiamento consistente. O programa espacial americano teve na sua origem um grupo de cientistas europeus que migrou para os EUA durante a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, o surgimento da EMBRAER, hoje o terceiro maior fabricante de aviões comerciais do mundo, pode ser creditado, em grande parte, à formação de engenheiros especializados pelo Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), localizado em São José dos Campos.
Será que o Brasil possui um número suficiente de doutores em engenharia aeroespacial? É difícil determinar o numero necessário, mas é possível estimar o número de engenheiros aeroespaciais que se dedicam à pesquisa científica no País.
O Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) tem um banco de dados (http://lattes.cnpq.br) com os currículos dos cientistas que atuam no Brasil. Uma lista de todos com o título de doutor que se classificam como engenheiros aeroespaciais produziu 124 nomes. Mesmo que esse número subestime a realidade, é fácil concluir que são poucos – talvez a décima parte para tantas outras academias.
Quantos cientistas é possível formar com 10 milhões de dólares? Para formar doutores, o CNPq disponibiliza bolsas de estudo. No Brasil, essas bolsas pagam ao estudante 1.267 reais por mês. Formar um doutor no País, o que leva 5 anos, custa ao CNPq 76 mil reais. Com 10 milhões de dólares (22 milhões de reais), é possível formar 290 novos doutores. Mas o Brasil, que ainda não possui um programa espacial de primeira linha e cujo último experimento resultou na explosão do foguete ainda na base de lançamento em Alcântara (20 técnico morreram em agosto de 2003), talvez devesse enviar seus engenheiros para serem treinados no exterior. Para tanto, o CNPq distribui bolsas de doutoramento que custam ao contribuinte 1.100 dólares por mês. Assumindo que sejam necessários 5 anos para formar um doutor no exterior, ele não sai por menos de 66 mil dólares. Um cálculo rápido mostra que com 10 milhões de dólares é possível formar 150 doutores no exterior.
Mas será que formar mais 150 doutores no exterior faz alguma diferença? As estatísticas no site do CNPq ajudam a compreender o significado desse número. Em 2000, o CNPq financiava 420 estudantes de doutorado no exterior. Em dezembro de 2004, esse número havia sido reduzido a 220 doutorandos, distribuídos por todas as áreas do conhecimento. Esse número permite formar 45 doutores por ano. Com o dinheiro gasto para enviar um astronauta ao espaço, o CNPq poderia praticamente duplicar o número de bolsistas de doutoramento no exterior ou formar quase 300 doutores no Brasil. Infelizmente, esse é mais um caso em que investimentos em educação foram trocados por publicidade.
O que foi para o espaço nesta semana também foi a possibilidade de formar 150 cientistas. É uma pena, porque, com o emprego desse dinheiro público, poderíamos acrescentar mais 300 doutores às nossas universidades. Seria algo mais próximo do “espetáculo do crescimento” prometido pelo Governo, que por enquanto não cansa de nos fornecer tão-somente o crescimento do espetáculo.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.