Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
Comumente nos deparamos nas grandes metrópoles com pessoas dormindo em bancos de praças, em calçadas e marquises. Isso tornou-se tão corriqueiro que nem nos causa mais espécie. Aquilo que deveria nos incomodar e despertar em todos nós um misto de revolta e inconformismo, por permitir que seres humanos sejam relegados a condições tão abjetas, acaba se incorporando à paisagem, deixando-nos indiferentes.
O que considero mais grave, Sras. e Srs. Deputados, é que uma boa parcela dessas pessoas que passam a noite em condições tão precárias e humilhantes, não são mendigos, sem teto ou errantes, mas trabalhadores. Sim, são trabalhadores que não podem retornar para suas casas no final do expediente porque não têm dinheiro para pagar o transporte. Muitos só retornam aos seus lares nos finais de semana. E como meros espectadores somos indiferentes a esses dramas pessoais ao ponto de ignorarmos a sua existência, pois ninguém concebe que hajam trabalhadores dormindo ao relento porque lhes falta míseros trocados para sua passagem, mas que no final do mês representam muito para os seus já minguados orçamentos.
Essa situação execrável, Sr. Presidente, iniciou-se com o acelerado processo de êxodo rural desencadeado na década de 70, responsável pelo excessivo inchamento das grandes cidades e a conseqüente expulsão da população menos favorecida para as periferias. Agregado a isso há ainda uma política equivocada de transporte público, em que o Estado não assume as suas responsabilidades nem exerce devidamente a fiscalização pública.
Um dos maiores símbolos de nosso egoísmo é a predominância do transporte individualizado. O aumento considerável de automóveis está tornando o trânsito tão caótico em todos os quadrantes do planeta que muitas cidades da Europa, como Paris, Londres, Roma e Berlim, já estão adotando rígidas medidas visando inibir e até mesmo inviabilizar a utilização de automóveis, com aplicação de pesadas sanções para motoristas que não compartilham o uso de seus veículos. Enquanto isso aqui no Brasil adotamos o caminho inverso.
Acredito, Sras. e Srs. Deputados, que o transporte público deveria ser responsabilidade do Estado, como o são a saúde, a educação e a segurança pública, e toda a sociedade, independentemente de utilizá-lo ou não, deveria custeá-lo. Nos países desenvolvidos a sociedade transfere naturalmente recursos para o transporte público, visando sobretudo ao seu custo operacional, e reconhecendo-o como importante componente da cesta básica do trabalhador.
Somos movidos pelo natural egoísmo da raça humana, e agindo assim nos deixamos levar pela indiferença ao nos depararmos com esse grave problema. Como não utilizamos o transporte público, pouco nos importa se os trabalhadores são transportadores de forma pior que gados. Ledo engano, pois a falência do sistema e o conseqüente aumento da frota de automóveis traz prejuízos a todos, indistintamente. A partir daí deixa de ser um problema apenas de quem o utiliza e passa a ser de todos nós.
Era o que tinha a dizer.