Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados promoveu ontem a Conferência População Negra em Foco: Políticas Públicas e o Estatuto da Igualdade Racial.
Foram convidados para participar deste evento o Senador Paulo Paim, autor do Projeto do Estatuto da Igualdade Racial; o Deputado Reginaldo Germano, Relator do Projeto; o Deputado Luiz Aberto, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial; o Prof. Ubiratan Castro, Presidente da Fundação Palmares; o Sr. Emir Silva, membro da Coordenação Nacional do Movimento Negro Unificado – MNU; a Sra. Valdina Pinto, Makota do Terreiro Tanuri Junçara, de Salvador; a Sra. Wânia Sant’Anna, Professora da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro; a Ministra Matilde Ribeiro, Secretária Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial; o Ministro Nilmário Miranda, Secretário Especial de Direitos Humanos; o Sr. Edson Cardoso, Assessor de Relações Raciais do Senador Paulo Paim.
Como Presidente dessa Comissão, tive o grande privilégio de poder participar desse momento histórico e importante para o Parlamento e para a sociedade brasileira e debater essa questão tão importante para a comunidade afro-descendente.
Finalmente, a Nação e o Estado brasileiro já reconhece a existência de manifestações de racismo no cotidiano e nas estruturas governamentais. Depois de mais de 500 anos, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso teve coragem em afirmar, perante os organismos internacionais, evidências de preconceito e discriminação contra a população negra.
É fato incontestável e real. Nas ruas, nas lojas, no aparato policial, nas escolas e tantas outras instituições há provas cabais quanto a práticas e tratamentos diferenciados entre negros e brancos.
É sabido que nas batidas e revistas policiais os negros são os que mais sofrem com a discriminação. Seja negro pobre ou de classe média, sempre será uma vítima em potencial da truculência policial.
Portanto, neste momento de reflexão e formulação de políticas públicas de reparação da dignidade e da cidadania da comunidade negra, é fundamental dizer que a implantação do Estatuto da Igualdade Racial será verdadeiramente o primeiro passo no caminho da libertação deste segmento.
É do conhecimento dos senhores e das senhoras que a dita abolição de 13 de maio significou apenas colocar os escravos na rua, deixando-os sem eira nem beira. Foi um decreto extremamente perverso, pois criou a idéia de liberdade sem dar condições para essas pessoas começarem as suas vidas.
Para onde foram esses escravos? Para onde foram os meninos libertos depois da Lei do Ventre Livre se os seus pais continuavam escravos? Certamente o Estado monárquico teve a insensatez de produzir os primeiros meninos de rua do Brasil. Poderia perguntar também: para onde foram os idosos alforriados pela Lei do Sexagenário? Como começar a vida após 60 anos de escravidão?
Essas são as perguntas que os livros de História e de Ciências Políticas deixaram de fazer como reflexão e introspecção social e individual. A lei da abolição foi um ato estético apenas para cumprir as exigências da opinião pública internacional, que cobrava dos senhores do Império a revogação imediata desse ato.
Em face deste discurso ideológico no sentido de que com a abolição da escravatura instituiu-se finalmente a democracia racial, os negros rebelam-se e insurgem-se nos recantos do País; mobilizam-se e encontram-se, mesmo contra a vontade do Estado e da sociedade.
Quando buscavam apoio nos órgãos governamentais, eram simplesmente repelidos em nome da falsa idéia de país da harmonia racial. O eminente sociólogo Clóvis Moura, autor do livro A Sociologia do Negro, narra em um dos capítulos que certa vez uma comitiva de negros do Estado de São Paulo chegou ao Palácio do Planalto para convidar o ex-Presidente Ernesto Geisel a participar de um encontro e de festejos da comunidade. Foram sumariamente expulsos do gabinete. Na semana seguinte, esse mesmo Presidente foi comemorar no Sul do País a festa de tradição do povo germano-descendente.
Este é o perfil do Estado brasileiro, um Estado que sempre priorizou etnias européias em nome do embranquecimento cultural e desenvolvimento econômico; um Estado que forjou a idéia de que certas habilidades profissionais pertenciam aos europeus, numa falsa concepção da existência de um determinismo social, político e econômico.
O Estatuto da Igualdade Racial será verdadeiramente a grande abolição dos negros neste País. Será o ponto de partida para estabelecer-se a igualdade de oportunidades e de trânsito através de compensações nas políticas públicas.
Não podemos temer a possibilidade de fazer valer o princípio da reparação. Aliás, não consigo entender o estranhamento de certos setores da sociedade, uma vez que o Estado brasileiro sempre adotou esta postura na proteção de segmentos considerados estratégicos. Qual a diferença de cotas para subsídios, subvenções, incentivo fiscal ou perdão de dívidas oficiais?
Portanto, a comunidade negra brasileira não está pedindo favor, mas apenas exigindo o mesmo tratamento nas políticas públicas, já que outros setores vêm recebendo total proteção do Estado.
Assim, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ao patrocinar essa Conferência, deixa bem claro que enquanto estivermos à frente desse órgão lutaremos com todas as nossas energias para que a comunidade negra finalmente seja reconhecida como cidadã e que tenha os mesmos direitos de todos.
Sras. e Srs. Deputados, podem ter certeza de que estaremos lutando para que o Estatuto da Igualdade Racial seja aprovado, principalmente mantendo a idéia de um fundo compensatório, pois entendemos que a retirada desse item significa repetir a mesma trama maquiavélica feita pelos senhores escravos no texto da Lei Áurea.
Peço, Sr. Presidente, que autorize a divulgação deste pronunciamento nos veículos de comunicação desta Casa.
Muito obrigado.