O SR. MÁRIO HERINGER (PDT-MG) Pronuncia o seguinte discurso:


Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou ontem audiência pública para tratar sobre “Direitos Humanos e Direitos Indígenas e o Lançamento no Brasil da Campanha Educativa sobre Direitos Humanos e Direitos Indígenas”. Para mim, é grande o paradoxo diante da dualidade conceitual, histórica e ética, instituída pela militância acadêmica, de colocar uma espécie de direito do ser humano de um lado e, de outro, o direito do índio, como se fossem antagônicos.

Claro que entendemos este antagonismo como produto da própria invenção da história moderna que o mundo ocidental sustentou na sua teoria de desenvolvimento humano. É evidente que, quando se traçaram os primeiros tratados sobre direitos humanos, não se pensava no índio, no negro, na questão de gênero e em outras diversidades próprias da existência humana. O padrão de humano preconizado na Carta de 1948 constitui-se na estética e civilidade européia, excluindo radicalmente outros povos e outras experiências humana. Tanto isso é verdade, Sr. Presidente, que, na ocasião em que a Câmara dos Deputados promoveu uma reforma nas Comissões Permanentes, houve enorme resistência em se colocar as questões das “minorias” juntamente com outras demandas tradicionais da área dos Direitos Humanos. Razão pela qual as questões indígena e de outras minorias sempre foram relegadas a segundo plano no processo legislativo. Até o ano passado, as minorias estavam niveladas às questões ambientais e do consumidor, numa verdadeira afronta ao ideal de uma sociedade multicultural e multifacetária, como de fato somos.

Estou ciente de que a nossa audiência é de extrema relevância e muito oportuna, principalmente diante dos últimos acontecimentos que vêm gerando conflitos entre a sociedade dita civilizada e nações indígenas. Sabemos que a visão etnocêntrica da sociedade acaba corroborando com o acirramento de conflitos. A idéia de que o “índio é igual a outro índio,” que é “preguiçoso” não passa de uma idiossincrasia daqueles que insistem em negar a complexidade étnica da sociedade nativa brasileira.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias tem acompanhado os últimos fatos relacionados com as comunidades indígenas. Lamentavelmente, estamos assistindo, perplexos, a uma crescente onda de violência entre os próprios índios, sem falar nos conflitos entre índios e garimpeiros, entre índios e comunidades não-indígenas, que vêm aumentando nesta última década de recessão econômica e de enxugamento da máquina do Estado.

Entendo que o episódio da Casa de Vivência em Sobradinho, Distrito Federal é um reflexo da própria negação do Estado e da sociedade, que não querem reconhecer o direito indigenato. Também estou convencido de que o episódio em Rondônia é um reflexo da falta de uma política clara e objetiva, do desinteresse em se buscar uma solução definitiva que possa fazer do Brasil uma nação verdadeiramente pacífica e digna do título de democracia racial. O descaso em não dar prosseguimento à tramitação do Estatuto do Índio já é um sinal de que o Estado e o Governo não consideram essa questão como prioridade.

Vale lembrar que o Estatuto do Índio tramita nesta Casa há mais de 10 anos, sem qualquer expectativa de ser incluído na agenda política e legislativa do Parlamento. Creio que, se o Estatuto fosse aprovado, várias questões estariam resolvidas, uma vez que a própria comunidade nativa brasileira tem interesse em obter um mínimo de direitos e deveres junto aos preceitos legais que norteiam o Estado Democrático de Direito.

Ao realizarmos essa audiência, queremos reiterar o nosso compromisso de que aquela Comissão iniciará uma campanha em favor da inclusão do Estatuto do Índio na Ordem do Dia dos trabalhados da Casa, pois tenho a compreensão de magistrado de que não adianta aqui sacrificar apenas a FUNAI, enquanto percebemos o seu progressivo esvaziamento institucional, juntamente com a falta de recursos para gerir as demandas da comunidade nativa.

Também queremos reafirmar ao Presidente da FUNAI que a nossa Comissão se prontifica a colocar-se como mediadora dos conflitos. Não queremos usar esta tribuna e todos os meios institucionais e políticos que esta Comissão goza apenas para fazer “denuncismo” vazio e desproposital, mas, sim, promover uma integração capaz de superar o burocratismo que impera na atual administração pública; para, enfim, numa parceria, construir um projeto que resolva em definitivo os conflitos e as contradições existentes entre brancos, negros e índios.

A aprovação do projeto de lei que institui Estatuto do Índio seria o marco legal para a superação dos conflitos existentes entre nativos e não-nativos brasileiros. Uma nação fraterna pressupõe um tratamento igualitário por parte do Estado; caso contrário, corremos o risco de assistir a uma barbárie étnica.
Na medida em que cresce a consciência dos povos que se sentem excluídos das políticas públicas e do projeto de nação brasileira, cresce, na mesma escala, a possibilidade de guerra étnica.
Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.

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