O SR. MÁRIO HERINGER (PDT-MG) Pronuncia o seguinte discurso:
14 de fevereiro de 2006
by Deputado Mário Heringer
in Discursos 2006
Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,
A organização e a realidade política brasileiras reservam às Câmaras Municipais um papel da mais alta relevância. A sua proximidade com a população, o seu fácil acesso a todos os cidadãos como primeiro degrau rumo à carreira política torna a Câmara dos Vereadores uma escola de cidadania, ao mesmo tempo em que se constitui a formadora e realizadora de vocações para a renovação dos quadros das carreiras políticas em suas mais diversas atuações, no Executivo e no Legislativo.
Não se pode olvidar que o Município é o local, por excelência, do despertar da vocação para a carreira pública, a primeira escola onde se ouve aquele clamor elementar do fazer em prol dos outros, que constitui a melhor definição da política.
Quase todos os grandes homens que ocuparam os maiores cargos da República tiveram sua iniciação como Vereador. E muitos outros exerceram muito eficazmente vários mandatos na própria Câmara.
Alguns Vereadores que passaram pelas Câmaras de várias cidades do País marcaram nossa história de maneira indelével. Muitos por sua atuação política progressista. Outros pelo exercício de um papel peculiar. É o caso, por exemplo de apenas 2 dos mais notáveis personagens de nossa cultura: primeiro o Barão de Itararé, pseudônimo do jornalista Aparício Torelly, Vereador eleito pelo Partido Comunista e cassado em 1947. Um de seus principais lemas de campanha era: “Mais água e mais leite. Mas menos água no leite”. Em seu mandato, defendeu o que considerava as 4 liberdades fundamentais: a de pensamento, a de culto, a de não ter medo da polícia secreta e a de não morrer de fome.
Outro famoso Vereador foi Ary Barroso. Um homem apaixonado pela vida e pela boêmia, além de rigorosamente fiel às suas posições e aos interesses do povo e do Brasil. Mineiro de Ubá, Ary Barroso, carioca por amor e adoção, enalteceu a Bahia em seus sambas e compôs Aquarela do Brasil, obra das mais marcantes na nossa riquíssima cultura. Compositor, pianista, radialista, jornalista e locutor esportivo, também foi o Vereador da UDN (União Democrática Nacional) que conseguiu o apoio decisivo da bancada majoritária de 18 Vereadores do PCB (Partido Comunista Brasileiro) para a construção do Estádio do Maracanã. Em algumas situações, quando Vereador, Ary estava à frente de sua época, como quando propôs a coleta seletiva de lixo, em 1949. Ou quando tentou criar um órgão de defesa civil, o que só aconteceu 2 décadas depois, após os temporais de 1966 e 1967.
As Câmaras Municipais têm um papel constitucional essencial e decisivo no governo dos Municípios, o qual perpassa pelas suas atribuições de legislar, fiscalizar e controlar o Executivo. Sua função de legislar vai além de simplesmente estabelecer leis como normas reguladoras, proibitivas ou autorizativas, mas deve ser entendida como instrumento de governo. Os Vereadores têm prerrogativas de emendar, aprovar projetos e programas orçamentários, além do planejamento do Município, por meio dos planos diretores, com efeitos de curto e longo prazo sobre a vida das populações. Portanto, eles podem ser o motor decisivo do desenvolvimento e do bem-estar das comunidades onde atuam. Os Vereadores são eleitos para importante participação no Governo Municipal, mediante a formulação de políticas públicas, papel que não podem jamais deixar de exercer.
No arranjo constitucional vigente do equilíbrio entre os Poderes, a Câmara Municipal partilha com a Prefeitura a prerrogativa de deliberar sobre todos os aspectos da administração, gerais ou particulares. Alguns fatores devem ser lembrados e destacados para que a Câmara se sobressaia no desempenho de suas funções constitucionais:
1. A Câmara Municipal atuante e fortalecida contribui igualmente para o fortalecimento da indispensável visão popular da separação dos Poderes. Se o povo não conseguir distinguir os Poderes Executivo e Legislativo no nível municipal, não será capaz de diferençar as funções específicas de ambos e irá demandar dos 2 a satisfação de suas necessidades urgentes;
2. A Câmara não faz parte da Prefeitura. A demanda por atenção assistencialista e clientelista diminuirá sensivelmente quando a população for capaz de discernir a área de atuação das Câmaras de Vereadores e entender seu papel de legisladora e fiscalizadora dos atos do Prefeito;
3. O claro entendimento do papel do Vereador como agente político, que atua na busca do interesse coletivo, tem o papel didático de evitar o surgimento de “presidencialismo” no nível municipal, versão agravada da prevalência do Executivo nas esferas estadual e federal, em que este Poder veio a prealecer-se de quase todas as atribuições dos outros Poderes.
O fortalecimento das Câmaras Municipais, desejo de toda a população brasileira esclarecida e ativa, depende de algumas medidas e reformas. A principal delas é a restauração da liberdade de organização do governo local ou pelo menos a devolução das atribuições administrativas da Câmara, equilibradas pelo poder de veto do Prefeito. O cientista político Joffre Neto sugere ainda outras, as 3 primeiras dependentes de emenda à Constituição, as quais passo a mencionar para reflexão e mesmo para que algum Parlamentar possa implementar em seu Município:
1. Restauração do sistema majoritário para eleição de Vereadores, conforme o porte do Município;
2. Orçamento imperativo;
3. Proibição de os Vereadores assumirem cargos na Prefeitura;
4. Restauração do “requerimento popular” de medidas administrativas encaminhado diretamente à Câmara, inserido obrigatoriamente nas discussões do orçamento;
5. Detalhamento obrigatório das rubricas orçamentárias municipais referentes a obras e outras despesas acima de determinado porte;
6. Prestação de contas à Câmara, feitas pessoalmente pelo Prefeito, da execução orçamentária e dos negócios municipais, inseridas nas sessões rotineiras (e não nas audiências especiais, de escasso comparecimento), obrigatória e periodicamente;
7. Prestações de contas à Câmara de todos os departamentos ou Secretarias Municipais, feitas periódica e pessoalmente por seus titulares;
8. Repasse automático da dotação orçamentária da Câmara. O repasse atual é autorizado mensalmente pelo Prefeito e muitas vezes usado para pressionar a casa legislativa;
9. Instituição de Comissões Permanentes de Fiscalização nas Câmaras, renovadas periodicamente e com as prerrogativas das Comissões Especiais de Inquérito, o que contornaria a dificuldade de instalação destas;
10. Atribuição aos Vereadores da fiscalização de cada um dos departamentos e órgãos do Governo Municipal, em caráter obrigatório, individual e por eleição interna;
11. Oferta, com certificação do comparecimento, de cursos públicos de administração municipal básica para candidatos a Vereador e a Prefeito, sem caráter obrigatório, naturalmente, mas que serviriam de diferencial na escolha dos candidatos;
12. Publicação das votações da Câmara;
13. Publicação na rede municipal de computadores de todos os atos da Câmara e da Prefeitura Municipal.
São medidas propositivas como essas que irão enriquecer ainda mais o debate sobre o papel dos edis e das Câmaras Municipais.
Como se vê, Sr. Presidente, a maior necessidade do Brasil é o fortalecimento do Poder Legislativo, sua transparência, sua penetração junto a todos os segmentos da população, sua revitalização, a melhoria de sua avaliação e conceito popular. Seu esvaziamento, sugerido por medidas que visam meramente à diminuição do número de Vereadores, contribuirá para quê? Ou para quem? Certamente não para o povo ou para a consolidação de nossa incipiente democracia.
A PEC 333/04, que teremos o privilégio de examinar, à luz dessas considerações, certamente propõe um caminho melhor, o da proporcionalidade, que irá de 7 a 55 Vereadores, em 5 faixas de população. É preciso que, no ímpeto de corrigir distorções, necessidade imperiosa de tempos em tempos em uma democracia, não incorramos em erro mais grave, o de enfraquecer uma instituição séria e indispensável à democracia. Ao invés de restringir, devemos ampliar as possibilidades de participação política, de despertamento de vocações públicas e lutar para que cada vez mais jovens vocacionados ingressem na atividade grandiosa por excelência: a de contribuir para o bem comum.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.