O SR. MÁRIO HERINGER (PDT-MG) Pronuncia o seguinte discurso:


Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Deputados,

A cada dia surge uma novidade que reforça a minha convicção de que estamos diante de um Governo dominado por uma inaceitável insensibilidade, principalmente em relação à área de saúde pública. As recentes notícias de que o Ministério da Saúde pretende criar rígidos critérios para o acesso de pacientes às Unidades de Terapia Intensiva é algo atroz. É absurdo imaginar a oficialização de parâmetros para o uso indiscriminado de ingerências externas à boa prática médica. Ninguém nega ou deveria negar o direito de o doente se posicionar frente ao seu tratamento, mas ao Estado é inadmissível essa ingerência.

Não bastasse o caos da saúde pública, causado principalmente pela incompetência dos responsáveis por administrar os seus recursos, ainda surgem idéias estapafúrdias como essa. Mais grave ainda é constatar que tal idéia parte de um profissional da saúde, alguém que pelo menos teoricamente deveria estar intrinsecamente dotado da sensibilidade necessária para sequer propor algo tão descabido. Mais ainda porque apenas a divulgação dessa idéia lhe trará inevitável desgaste e os resultados que poderiam ser alcançados são nulos.
Uma das piores conseqüências dessa discussão – ou decisão – seria a possibilidade de que os planos de saúde, apoiados nesses parâmetros, passassem também a adotar os mesmos critérios, criando com isso resistência “legal” aos nossos idosos.

Qualquer cidadão tem conhecimento, Sras. e Srs. Deputados, de que os médicos da rede pública de saúde são também vítimas dos desmantelos de um Estado dominado pela incompetência e que, por isso, já adotam compulsoriamente rigoroso critério para escolher quem deve e quem não deve ser internado em uma UTI, e que nessa escolha são sempre impelidos a optar pelo doente mais grave. Por mais desumano que seja, muitos morrem ao ser preteridos nessa escolha. Não é necessário, portanto, que o Ministério da Saúde, em busca de economizar os parcos recursos destinados à área, venha a introduzir regras ainda mais rigorosas para definir quem pode e quem não pode ser internado em uma UTI.

Na prática, Sr. Presidente, essa medida já é amplamente praticada. É impossível piorar mais ainda o nosso sistema de saúde pública. Basta visitar os hospitais e centros de saúde de qualquer localidade para constatar o inferno que é depender dele. Considero que há 3 estágios para quem adoece. O inferno, representado pelo sistema de saúde pública; o purgatório, para quem tem plano de saúde; e o céu, para quem pode pagar e até mesmo se dar ao luxo de contratar um jatinho para transportá-lo aos melhores centros de saúde de mundo. O pior é que a maioria da população vive no inferno, uns poucos no purgatório e menos ainda no céu.

Diante dessa cruel realidade, nobres colegas, discutir assuntos como eutanásia beira o surrealismo. É como discutir o sexo dos anjos. A eutanásia já é amplamente praticada na rede de saúde pública. Provavelmente, enquanto estou proferindo este discurso, alguém em algum lugar deste nosso tão maltratado País está sendo uma anônima vítima de eutanásia. E o pior é que nem se pode chamar de eutanásia o que se pratica contra as centenas de cidadãos que morrem à míngua nas filas dos hospitais. Isso é omissão de socorro, crime previsto em nosso Código Penal e passível de aplicação de pena restritiva de liberdade.

O que o Estado pratica hoje contra os despossuídos, Sras. e Srs. Deputados, é muito pior que a eutanásia. É a mistanásia, que possui requintes de crueldade ainda mais execráveis do que a eutanásia. A condenação ao opróbrio dos que um dia foram chamados de descamisados, dos que só são lembrados pelas estatísticas não sensibiliza os burocratas, que só enxergam os resultados econômicos e desprezam as centenas de mortes nas filas dos hospitais, por falta de atendimento. Creio até que essa insensibilidade, que os leva a minimizar os efeitos danosos de uma política de saúde pública falida, dá-lhes também a satisfação de contabilizar cada morte como um a menos para depender dos já escassos serviços prestados pelo Estado.

Seria cômico, se não fosse trágico, Sras. e Srs. Deputados, o espaço que a mídia brasileira deu até já poucos dias ao caso da americana Terri Schiavo, que culminou com sua morte. Durante longos dias não se falou em outra coisa que não o drama daquela pobre americana. Enquanto isso, milhares e milhares de brasileiros estavam sendo submetidos à cruel mistanásia. Mas são miseráveis que não merecem quaisquer espaços na mídia. A vida deles representa muito pouco. Quase nada.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

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